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sábado, 27 de outubro de 2012

Bons projetos, o segredo dos bons gestores

Futuro das administrações municipais está na formatação de projetos apresentados a órgãos federais e fundações nacionais e do exterior. Municípios se preparam cada vez mais para isso





Três informações, uma boa, uma má e uma neutra, precisam ser repetidas para os prefeitos que vão assumir mandatos ou ser reconduzidos ao posto a partir de 1º de janeiro. Primeiro, a má, que eles naturalmente já conhecem ou conhecerão de perto: muito dificilmente os cofres de seu município suportarão a quantidade de promessas — ou propostas, como prefere a maioria — feitas durante a campanha eleitoral. O que, entretanto, não é motivo para desespero, já que há também uma boa notícia: há dinheiro sobrando no governo federal — e esse dinheiro é carimbado para uso dos municípios.

A terceira informação é neutra, mas pode ser positiva aos municípios que se mostrarem mais organizados. É que desde 2007, com a reestruturação administrativa em relação à gestão dos recursos, o Palácio do Planalto mudou a forma de destinar verbas para as prefeituras e as exigências técnicas superaram os favores a aliados e a influência política à qual o E­xecutivo costumava sucumbir. Em suma: para obter recursos que viabilizem suas gestões, não basta a antiga lábia ou aquele dublê de parlamentar e padrinho político — embora não haja a inocência de pensar que isso não possa ajudar de alguma forma —, os gestores municipais precisam ter bons projetos em mãos.

As urnas deram um sinal claro aos prefeitos: entre dois perfis de administradores, o “síndico discreto” e o “carismático populista”, o povo anda preferindo o primeiro ao segundo. As reeleições de Paulo Garcia (PT), em Goiânia, Antônio Gomide (PT), em Anápolis, Humberto Machado (PMDB), em Jataí, e Luiz Carlos Attié (PSD), em Cristalina, são alguns desses exemplos. Claro, houve outros fatores envolvidos para que eles obtivessem êxito nas urnas, mas a forma de cuidar da administração e lidar com as políticas públicas certamente influiu na hora do voto.

Primeiro prefeito reeleito de Cristalina, com 52% dos votos válidos, Attié é um bom exemplo de prefeito que sabe como buscar recursos para seu município. Ainda no ano passado, em entrevista ao Jornal Opção, ele já dava a receita de como conseguiu fazer com que o município obtivesse êxito na busca de receitas no governo federal.

Na verdade não há segredo algum, mas o próprio prefeito fez questão de reafirmar. “Os recursos só podem ser obtidos com projetos, o que é complicado e trabalhoso, porque é necessário cumprir várias exigências. E no interior, muitas vezes, não há técnicos capacitados para desenvolver esses projetos. O jeito é superar isso com muita transpiração”, relatou Attié, à época.

Cristalina tem 48,4 mil habitantes, de acordo com a estimativa populacional 2012 do Instituto Brasileiro de Geografia e Es­tatística (IBGE). Em contraste com a realidade de uma cidade média com esta ou outra, de menor porte, está a magnitude de uma metrópole. É o caso de Goiânia, que, por sua estrutura forte no terceiro setor — é bom lembrar que o principal tributo dos municípios é o Imposto Sobre Serviços (ISS) —, Goiânia tem uma certa “sobra” em termos de recursos próprios em relação ao que ocorre na imensa maioria dos municípios de Goiás e do Brasil.

É com essa reserva que o prefeito Paulo Garcia tenciona fazer um terço dos 81 centros municipais de educação infantil (CMEIs), meta com que se comprometeu em uma das várias propostas durante a última campanha eleitoral. Os outros dois terços já têm verba certa e carimbada: eles serão erguidos com dinheiro do PAC da Educação, do governo federal.

Para aprimorar a captação de recursos e estreitar os laços com o Planalto nessa área de projetos o homem na Prefeitura hoje é Renatho Melo, o jovem secretário extraordinário de Projetos Es­peciais que ocupa o lugar pelo qual passaram o ex-vereador Sérgio Dias, o Serjão, e Ronnie Barbosa, a quem sucede no cargo desde o início do semestre. “Acabou a história de mandar ofício para ministério. É preciso haver projetos e muita organização por parte das prefeituras”, afirma. Viagens para a capital federal são uma constante de quem ocupa o cargo, assim como atenção total aos prazos dos vários editais abertos por ministérios e fundações.

Para Renatho, por causa da evolução da política de distribuição de verbas é natural que as prefeituras de maior porte comecem a criar secretarias ou algumas figuras semelhantes em seu organograma com o fim específico de captar recursos. E a tendência é essa pasta ganhar lugar cada vez mais proeminente nas administrações municipais. Em Goiânia, essa espécie de “upgrade” da função consta, de certo modo, até no plano de governo de Paulo Garcia: está prevista a criação do chamado “escritório de projetos”, que visa tornar mais eficiente a captação de recursos, seja no governo federal, seja em órgãos de financiamento do exterior — como o Banco Interamericano de Desenvol­vimento (BID), no qual, ainda na gestão de Pedro Wilson, a Pre­feitura conseguiu encaixar o megaprojeto Macambira–Anicuns, cujas obras, entretanto, só recentemente foram iniciadas.

“Cada vez mais é preciso passar por etapas técnicas para se fazer pleitos políticos. É o que estamos buscando aprimorar na gestão de Goiânia”, diz o secretário de Projetos Especiais. Nesse sentido o conhecimento de uma ferramenta digital é cada vez mais importante: trata-se do Sistema de Gestão de Convênios e Contratos de Repasse do Governo Federal (Siconv), um software que reúne e faz o processamento das informações sobre as transferências de recursos da União para órgãos diversos (públicos e também privados sem fins lucrativos). O repasse se dá por contratos e convênios destinados à execução de programas, projetos e ações de interesse comum.

Cada prefeitura tem sua senha no sistema, o que faz com que toda a história de cada gestão possa ser acessada de forma eletrônica, e rapidamente. “Há metas para cumprir e também o acompanhamento de órgãos fiscalizadores dos recursos, como a Caixa Econômica Federal”, lembra Renatho Melo, para quem o tempo dos favores políticos ficou agora minimizado. “Se o projeto for ruim, não passa nem para a etapa técnica. Isso força os gestores a sair do amadorismo.”
Consultoria

Com a procura cada vez maior por encaixe em programas do governo para obtenção de recursos, cresce o número de municípios que buscam atendimento especializado. A consultora Silvia Belle Justino tem escritório especializado no tema, pelo qual atende cinco municípios goianos — Padre Ber­nar­do, Cezarina, Caldazinha Mozar­lândia e Goiatuba. “O governo federal dispõe de vários programas. Apresentamos aos prefeitos e secretários os programas que estão em evidência no mo­mento e eles veem o que poderia encaixar naquilo que pretendem para seu município.”

Portas de entrada para os recursos da União há muitas, diz a consultora. “Há verbas da Habitação, do programa Minha Casa Minha Vida; também mui­ta coisa do Ministério das Ci­dades, por exemplo, em relação a água e esgoto”, relata.

O escritório de Silvia busca se concentrar em cidades de até 50 mil habitantes. Ao município contratante, oferece o acompanhamento integral daquilo que pode se traduzir em recursos extras para a Prefeitura, desde o surgimento de editais até a entrega do projeto no órgão competente. “Para isso, nos mantemos atualizados o tempo todo. Conforme aparecem no­vas oportunidades, vamos informando os municípios com que trabalhamos para ver o que realmente é de seu interesse.” A partir do próximo ano, com novas gestões começando, a previsão de Silvia para seu escritório é de um bom incremento na carteira de clientes.

Prefeituras sentem necessidade de aprimorar forma de captação

Ele nem está 100% certo de que assumirá, mas já busca planejar a sua possível — e provável — gestão. O ex-embaixador Jadiel Ferreira de Oliveira (PSDB) ganhou a conturbada eleição de Flores de Goiás, cidade do Nordeste do Estado, a 436 quilômetros de Goiânia. O outro candidato, Valmim Soares (PMDB), teve sua candidatura indeferida. Só que seu município ficou entre os cinco do Estado — os outros são Alto Horizonte, Bom Jesus, Catalão e Santa Terezinha — que podem ter eleições anuladas, por conta da qualidade de votos nulos por conta de impugnações a candidatos na Justiça.

Mas não importa. Enquanto aguarda a decisão dos tribunais, Jadiel já age — e precisa mesmo agir — como prefeito eleito. Já estuda mudanças administrativas, como fundir a Secretaria de Fi­nanças à de Planejamento. E também já estabelece as prioridades: estender a restrita pavimentação asfáltica de Flores de Goiás e me­lhorar o abastecimento e a qualidade da água do município. Dinheiro, para isso, não há, ele admite. “Va­mos buscar convênios com fundações e com o poder público do Estado e da União”. 
Para isso, é necessário elaborar projetos. E admite: “Será preciso contar com os serviços de escritórios de fora. Eles já sabem os caminhos, como operar e em que porta bater em Brasília”, resume. Até ajeitar a casa para passar à fase de lutar pela aprovação de projetos, uma fase prévia precisa ser vencida: conseguir que a Prefeitura obtenha suas certidões negativas. “Não tenho ideia certa, mas nós sabemos que há algo estimado em R$ 2 milhões em termos de dívida”, suspeita. Um endividamento que, além de considerável, impede o município de ter acesso a recursos externos. 

Para governar e superar obstáculos como esse de alguma forma, o prefeito aposta ainda em parcerias com municípios vizinhos. Diz ter feito contado com os novos gestores de Formoso de Goiás, de Nova Roma, de Buriti de Goiás e de Alvorada. “Às vezes é mais fácil colocar uma criança que mora na divisa para estudar no outro município do que no nosso.” É o caso de uma escola de Flores, que tinha 21 alunos, mas foram todos transferidos para o distrito de Serra Bonita, em Buriti de Goiás. 

A luta por recursos vai também no sentido de resolver um problema criado pelo próprio governo central, em Brasília. É o caso dos assentamentos do Incra. “Somos recordistas em número de assentamentos por quilômetro quadrado. São quase 30 em nosso município. Nada contra, pelo contrário: os assentados trazem diversidade, novas experiências. Mas precisamos discutir a questão orçamentária com o governo federal”, explica Jadiel. Nada que um bom projeto não possa resolver.

Cidade de Goiás quer firmar cooperação com Estado e União

Trabalhar em regime de cooperação efetiva com os governos estadual e federal. É assim que a prefeita eleita da Cidade de Goiás, Selma Bastos (PT), pretende direcionar suas ações à frente do município. Eleita com 53,26% dos votos válidos, ela quer governar com um gabinete de pratas da casa — pessoas da própria cidade —, mas abre margem para uma exceção: a área de projetos. “Sempre disse durante a campanha que nós priorizaríamos a mão de obra local, porque Goiás tem gente muito competente. E isso é verdade. Porém, na área de projetos, precisamos de gente mais especializada, que dê conta do recado com conhecimento técnico profundo”, justifica.

Selma Bastos acredita que vá receber uma prefeitura com “si­tuação caótica”. “Já estamos to­mando providências para saber como realmente está a situação da administração, mas sabemos que não será fácil.” O que pode minimizar o cenário, diz ela, são justamente as parcerias. 

Uma das prioridades, nesse sentido, é construir o aterro sanitário — a lei que regulamentou a Política Nacional de Resíduos Sólidos, em dezembro de 2010, dá prazo até 2014 para a extinção dos lixões. “Já conversei com Pedro Wilson [ex-prefeito de Goiânia e atual secretário de Recursos Hídricos e Am­biente Urbano do Ministério do Meio Ambiente] e queremos finalizar um projeto para atender essa demanda”, diz a prefeita eleita.

Selma, que é professora, de­monstra grande preocupação com projetos que possam alavancar a saúde e a educação em seu município. “Quero fazer da Cidade de Goiás um canteiro de obras, concentrando a atenção na educação, na construção de creches e na instrução de jovens que vivam a realidade do homem do campo, da agricultura familiar”, diz.
Como gestora de uma cidade que também é Patrimônio da Hu­manidade, ela se espanta com o que tem encontrado. “Temos esse título, mas não temos coisas básicas, como sinalização, banheiros públicos e lixeiras. Nosso forte é o turismo e de itens relativos a isso precisamos cuidar com carinho.”

O Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (Fica) também é tratado de modo especial, mesmo sendo um evento promovido pelo Estado. “Queremos pensar o Fica juntamente com o governo estadual, ajudar com a infraestrutura e priorizar a mão de obra de nossa cidade na execução das tarefas.” 
 

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